quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Noutro Lugar



E eu costumo passear por aquele antigo jardim com cheiro de maçãs podres no centro da cidade, um suave aroma misturado com as essências de jasmins brancas, amarelas e de uma cor meio estranha, talvez desconhecida, ou conhecida por tal pessoa que vai aquele mesmo lugar todas as manhãs claras de primavera, e nas melancólicas tardes de outono. Mas em uma respiração escassa, prefiro os raios de sol queimando minhas retinas, uma claridade intensa até suportável, aparentemente calma. Um solitário metro quadrado de grama grita toda vez que ali percebe minha presença, é como se chorasse implorando um pouco de minha atenção, isto parece insignificante, mas é naquele minucioso espaço gramado que quase diariamente permito tirar o salto de uma grande mulher executiva que a sociedade me obrigada ser, para juntar os retalhos dos sonhos que ainda me restam. E o cheiro das maçãs podres alcança minhas narinas e surpreendentemente me arrancam um sorriso, seguidas de algumas gargalhadas que terminam ao perceber que existiam olhos a me reprimir, e recuo para meu paraíso perdido. Estou novamente pensativa. E os meus olhos vêem adiante do que minha vista alcança. É além. Não culpo ninguém por esta minha vida inexpressiva, não tenho direito de jogar nas costas de outra pessoa as minhas próprias derrotas, ainda tento ter o bom senso, e esse poder de persuasão em certos momentos me deixa leve, tão leve quanto uma folha que cai de uma laranjeira tão imensa que me impressiona, em uma queda livre chega ao chão sem barulho.
Os meus fantasmas são os meus próprios medos, eles teimam em me perseguir. Já chorei, bati pé, fingi um desmaio, mas eles permanecem intactos ao meu lado, até de certa forma aprendi a conviver com eles, uma eterna assombração. Mas não naquele jardim, parece que há na entrada, uma proibição para o invisível tenebroso, o jardim me trás paz. Consigo ler até alguns romances que me arrancam lágrimas e sussurros baixinhos, principalmente quando o final é feliz, diferente do meu. Não que ele tenha sido completamente triste, não serei incrédula ao dizer que ele não deu certo, lógico que deu, mas no tempo que durou. Se eu soubesse da existência deste jardim na época, teria vindo algumas vezes aqui para enamorar, não que isto mudasse a minha história, mas este ar puro faz bem a qualquer relacionamento, e se tivesse torradas com geléia de morango tudo ficaria mais colorido e gostoso. Percebo que ao redor de alguns casais os pássaros cantam um soneto de amor que jamais será reproduzido por instrumento algum, cria-se um clima de romance impecável, até invejável.
Despeço de minha grama favorita, ela reclama um pouco, mas não dou ouvidos, o jardim é imenso, e antes que o sol durma, ainda preciso pegar uma, ou duas das flores que enriquecem de beleza este lugar, a natureza não seria egoísta de me negar um pouco quase nada de sua felicidade, preciso depositá-las no cemitério da minha cabeça, é difícil conviver com lembranças aparentemente mortas, ainda rezo todos os dias para que elas se vão em paz. E por hoje é só, voltarei caminhando para casa carregando aquele cheiro podre que me acompanhou por todo o meu passeio. Amanhã espero o sol brilhando mais forte, enfeitando o céu um arco-íris com cores bem visíveis, paisagem indescritivelmente perfeita para uma oração no horizonte. Então que seja belo.